Graças a filme, músicos do Anvil viram astros do rock depois de 36 anos

GARY GRAFF

The New York Times Sindycate

  • Divulgação

    Os integrantes da banda canadense Anvil

    Os integrantes da banda canadense Anvil

Após 36 anos tocando juntos e três décadas gravando, o guitarrista Steve “Lips” Kudlow e o baterista Robb Reiner estão se tornando astros do rock.

E, eles dizem, já era hora.

Os dois homens, amigos desde a infância, são os membros fundadores do Anvil, o grupo canadense de heavy metal de longa data, saudado por seus pares como uma influência chave –“Esses caras iam virar o mundo de cabeça para baixo”, diz o baterista do Metallica, Lars Ulrich– mas, por grande parte de sua carreira, ignorado pelo público.

Agora isso está mudando.

Por trás dessa mudança está “Anvil! The Story of Anvil”, um documentário feito pelo fã da banda e ex-roadie Sasha Gervasi, roteirista de “O Terminal”, o filme de 2004 de Steven Spielberg. O documentário, que será lançado em DVD nos Estados Unidos em 6 de outubro, foi muito elogiado pela crítica durante sua passagem bem-sucedida por festivais de cinema e pelo circuito de arte, com críticos e fãs se conectando não apenas ao conjunto da obra subapreciada, mas também à história humana da dedicação de Kudlow e Reiner ao seu trabalho e sua busca incansável de um sonho que, por grande parte do último quarto de século, parecia impossível.

Gervasi, que conheceu a banda em 1982 na Inglaterra e acabou se tornando roadie por três de suas turnês, disse no Festival de Cinema de Glasgow que ficou eletrizado por ter dado uma ajuda ao Anvil.

“Nós todos sentimos que, se o filme saísse certo, ele ajudaria a banda”, ele disse. “E ajudou a banda. A sensação é extremamente boa. Você trabalha um pouco, o que é bom, e tem um efeito positivo.”

Agora o Anvil está acertando com um novo empresário, que também cuida da carreira do Slayer, um novo agente, que agenda os shows para o Coldplay e o Oasis, e colocando canções no videogame Rock Band. O mais recente álbum do grupo, “This Is Thirteen”, antes disponível apenas nos shows e pelo site do Anvil, será lançado em 15 de setembro. O Anvil abriu alguns shows do AC/DC no verão americano e “The Anvil Experience”, uma combinação de show e exibição do filme, percorrerá as casas House of Blues nos próximos meses.

Enquanto isso, Kudlow escreveu um livro de 320 páginas, também intitulado “Anvil! The Story of Anvil”, que deverá ser lançado em novembro.

É um novo sopro de vida, e Kudlow e Reiner o estão aproveitando sem vergonha.

“Eu estou altamente empolgado com isso”, diz Reiner. “É uma ótima sensação tudo isso acontecer a esta altura da vida, ser descoberto e redescoberto de uma só vez. Como alguém pode não apreciar isso?”

Kudlow também está empolgado com tudo o que está acontecendo, mas vê as coisas de modo mais cauteloso.

“Eu já passei por uma experiência difícil anteriormente”, diz o guitarrista. “Eu aprecio muito tudo isto, mas ao mesmo tempo sou extremamente cético de que vai durar por muito tempo.”

Sem o filme, que conquistou prêmios em festivais em Calgary, Edmonton, Los Angeles e Sydney, o Anvil muito provavelmente continuaria sendo uma das grandes lendas perdidas do rock, uma banda cuja reputação era muito maior do que seu sucesso comercial.

Reiner e Kudlow, ambos cinquentões, começaram a tocar juntos em 1973 em Toronto.

Após um grupo chamado Gravestone, um aceno para a influência do Black Sabbath em sua música, eles batizaram sua banda como Lips, recrutaram mais dois músicos e foram pioneiros de um som feroz, de alta propulsão, que se tornou conhecido como speed ou power metal.

O grupo assinou um contrato de gravação no início dos anos 80, mudando seu nome para evitar confusão com o grupo de som disco Lipps Inc. Em 1982, ele lançou “Metal on Metal”, um álbum que no filme é citado por membros do Anthrax, Guns n’ Roses, Metallica, Slayer e outros como um lançamento seminal.

Reiner, pessoalmente influenciado por grupos da “velha guarda” como Black Sabbath, Deep Purple, Grand Funk Railroad e Led Zeppelin, diz que o som da banda “veio da pura inocência de fazer a música que se ama. O Lips começou fazendo esses... nós costumávamos chamá-los de ‘pequenos riffs velozes’”.

“Nós estávamos apenas nos divertindo. Nós não tínhamos nome para aquilo. Nós apenas gostávamos.”

Assim como o mundo do hard rock –inicialmente, pelo menos. “Metal on Metal” colocou o Anvil no mapa e permitiu ao grupo excursionar pelo mundo, abrindo em 1984 para Bon Jovi, Scorpions e Whitesnake.

Mas como narra “Anvil!” sem piedade, a ascensão do grupo foi atrapalhada e então minada por má administração empresarial, gravadoras fracas e uma falta geral de visão.

“É difícil de explicar”, agora diz Reiner. “Apenas timing e aleatoriedade. Nós estávamos um pouco à frente de nosso tempo na música e todas as peças não se encaixaram ao mesmo tempo. E quando elas se encaixaram, simplesmente ficou difícil voltar, especialmente na América.”

Mas Reiner e Kudlow nunca desistiram, o que é o centro da história do Anvil. Eles mantinham empregos diurnos quando necessário, agarraram oportunidades improváveis e, apesar de um revés após o outro, nunca nutriram a ideia de desistir.

“Eu comecei com Robb quando tínhamos 14 anos”, diz Kudlow no filme, “e dissemos: ‘Nós vamos fazer isso até ficarmos velhos’. Nós realmente falamos sério”.

“Nós fomos bem-sucedidos”, insiste Reiner. “Nós gravamos 13 álbuns e fizemos turnês por 30 anos. Nós tivemos um público cult por anos e anos. Nós vendemos dezenas de milhares de álbuns. Nós temos nossa própria identidade. Tudo isso é motivo suficiente para continuarmos.”

“E, além disso, o que fazemos aqui, especialmente para mim, é a melhor religião que eu poderia seguir no mundo: diversão”, acrescenta o baterista. “Se você tem isso, por que abandonar?”

Olhando para trás, as coisas começaram a mudar em 2005. Começou com um festival na Itália, no qual membros da banda Candlemass contaram para Kudlow como o conheceram em 1982, na Carnaby Street em Londres, quando Gervasi estava mostrando a cidade ao Anvil.

Então Kudlow voltou para casa e encontrou um e-mail de Gervasi –“do qual não tinha notícias há anos, e aquilo foi muito estranho”– que levou a um encontro na casa do tio de Gervasi, em Toronto. Foi lá que Gervasi apresentou a ideia de um filme do Anvil.

“Eu caí em lágrimas”, lembra Kudlow, “porque percebi que minha jornada, os mais de 30 anos fazendo isto... tinha um propósito. Era a hora da fruição. Era como meu sucesso viria. Eu percebi isso em um piscar de olhos”.
 
“Anvil! The Story of Anvil” é um olhar franco para os altos e –principalmente– baixos da banda. A confiança de Kudlow e Reiner em Gervasi proporcionou entrevistas mais íntimas com os membros da banda e visitas a suas famílias, assim como acesso às sessões de gravação de “This Is Thirteen”, que foi financiado em parte por um empréstimo de US$ 20 mil de uma das irmãs de Kudlow e reuniu o grupo –que também inclui o baixista Glenn “G5” Gyorffy– com Chris Tsangarides, que produziu alguns de seus primeiros álbuns.

Há uma sensação palpável de desespero, mas também de otimismo eterno, por todo o filme. A pressão durante a gravação do álbum até mesmo levou a uma briga entre Kudlow e Reiner, após a qual o baterista abandonou brevemente a banda.

“Eu preciso dizer que nos 36 anos da minha amizade com ele, nós já tivemos meia dúzia de brigas como essa”, disse Kudlow. “Nós dois temos a mesma meta, mas às vezes temos abordagens diferentes e discutimos por causa dessas abordagens.”

“Mas enquanto a meta permanecer a mesma, então não há problema.”

O elefante na sala com o Anvil é a famosa paródia de heavy metal de Rob Reiner, “This Is Spinal Tap” (1984), um falso documentário sobre uma banda de metal comicamente iludida.

“Obviamente não podíamos evitar a comparação com o Spinal Tap”, diz Gervasi, “ainda mais porque o baterista também se chama Robb Reiner!”

Em vez de evitar as comparações, “Anvil!” as convida abertamente. Kudlow grita “Olá, Cleveland!” enquanto o Anvil se prepara para subir ao palco, e a banda visita Stonehenge, ambos evocando deliberadamente cenas muito apreciadas da paródia.

“‘This Is Spinal Tap’ é um dos meus filmes favoritos”, diz o guitarrista. “São pequenas alusões bobas, de forma que as pessoas têm algo com que se relacionar. E funciona como cavalo de Tróia: as pessoas esperam cair na gargalhada por causa de algo, mas em seguida elas se veem chorando.”

“É por isso que ele é tão querido”, diz Kudlow, “a simples honestidade, a sinceridade que o filme representa. Eu acho que você sai do cinema gostando de nós, ou pelo menos respeitando que somos autênticos, genuínos e passionais em relação ao que fazemos.”

“É difícil odiar a música quando você gosta das pessoas que a tocam.”

(Gary Graff é um jornalista free-lance baseado em Beverly Hills, Michigan.)

Tradutor: George El Khouri Andolfato

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