Ao longo de uma carreira que já dura quase 45 anos, Stephen Stills sobreviveu a muita coisa: abuso de substâncias, batalhas de ego com seus companheiros musicais, perda da audição e até mesmo um teste para ingressar nos Monkees. Quando recebeu o diagnóstico de câncer de próstata, no final de 2007, o cantor --compositor, músico, produtor, ativista veterano e membro duplo do Salão da Fama do Rock and Roll-- não estava pronto para partir em silêncio.

Na verdade, Stills não parou de trabalhar desde então. "Depois de um período razoavelmente desocupado, sem saber que estava apático diante de um câncer e do caos pessoal na minha vida, eu fiquei maluco. E produtivo de novo", conta o músico, de 64 anos, por telefone de sua casa em Los Angeles, onde ele vive com sua esposa, Kristen, e o filho deles de 5 anos, Oliver, o mais novo dos sete filhos de Stills.

Nesta fase, o cantor perdeu peso, se curou do câncer e está em forma. "Essa é uma consequência da falta de entusiasmo e do sentimento de não poder fazer nada. O lance a respeito das fases de pouca criatividade é que você precisa esperar que elas passem, mas é melhor estar preparado para entrar em ação assim que acabam". Foi o que Stills fez, passando tempo escavando seu passado, trabalhando no presente e fazendo planos para o futuro.

Só neste ano Stills já lançou dois projetos de arquivo: "Pieces", uma coleção de material inédito de sua banda dos anos 70, o Manassas, e "Live at Shepherd's Bush", um combo de CD e DVD do show de 2007 no Reino Unido para promover seu álbum solo, "Man Alive!" (2005). Ele continua excursionando com o Crosby, Stills & Nash e o grupo está trabalhando em um álbum de covers com o produtor Rick Rubin.

Os planos futuros de Stills também estão igualmente cheios, incluindo outro disco solo e mais lançamentos de seus arquivos, entre eles uma caixa cobrindo sua carreira e algumas gravações dos anos 60 que ele fez com Jimi Hendrix.

"Stephen é o mais motivado que eu já vi", diz o parceiro Graham Nash, acrescentando que a decisão de Stills de usar um aparelho de surdez fez uma grande diferença. "Isso o ajudou a cantar bem de novo. Ele pode ouvir tudo e se sente bastante envolvido na música. É ótimo vê-lo tão engajado e realmente curtindo as coisas agora".

De Au Go Go Singers a Buffalo Springfield e Hendrix
Stills está engajado desde a infância. Para um filho de militar, ele diz, a música "era algo que eu podia levar comigo onde quer que fosse, como um amigo ou irmão". Nascido em Dallas, ele também viveu na Costa Rica, na Zona do Canal do Panamá, em Illinois, Louisiana e Flórida, passando um pouco de tempo na Universidade da Flórida, em Gainesville, antes de abandoná-la para se dedicar à música.

Suas viagens o levaram a Nova York e ao Canadá --na primeira ele ingressou no Au Go Go Singers e na segunda ele conheceu Neil Young-- e no final à Califórnia, onde fracassou em um teste para os Monkees antes de fundar o Buffalo Springfield, com Young e com um ex-colega de banda do Au Go Go, Richie Furay.

O Buffalo Springfield colocou Stills e seus companheiros no mapa com "For What It's Worth" (1967), mas a banda logo se separou. Stills então formou um trio com o ex-membro dos Hollies, Nash, e com um ex-membro dos Byrds, David Crosby, posteriormente adicionando Young em uma associação intermitente que prosseguiu por quase 40 anos.

Stills, que toca guitarra e teclado, começou a lançar álbuns solo em 1970, formou o Manassas em 1971 e, por um tempo curto, Stills Young Band cinco anos depois. "Se alguém me dissesse: 'você só pode fazer uma coisa', eu perguntaria sobre em que atividade a pessoa acha que está e o que gostaria de fazer a seguir, porque certamente ela não teria nada a ver com o ramo musical", ele diz rindo.

Stills começou a explorar seu próprio passado com "Just Roll Tape" (2007), um disco com demos acústicas de músicas que ele gravou durante uma sessão de abril de 1968, incluindo "Suite: Judy Blue Eyes", "Helplessly Hoping" e "Change Partners".

Os projetos deste ano do Manassas e "Live at Shepherd's Bush" fazem parte do que ele espera que será uma série contínua de títulos extraídos de seus arquivos. "Eu quero dividir os períodos da minha carreira e não fazer aquelas coisas imensas que ninguém tem dinheiro para comprar. Parte por motivos criativos e parte por motivos comerciais. Depois reuniremos a coisa toda e a lançaremos em Blu-ray".

Ele apreciou em particular rever o Manassas, um grupo que ele e o baixista do Byrds e do Flying Burrito Brothers, Chris Hillman, formaram após Stills ficar incomodado com a badalação inicial do Crosby, Stills, Nash & Young. "(O CSNY) se transformou em um ícone. Nós passamos de fato a acreditar em toda aquela tolice na imprensa de supergrupo, passamos a discutir e assim por diante. E eu desejava poder explorar mais".

Isso o levou à Inglaterra, onde realizou sessões com Hendrix e trabalhou em seu primeiro álbum solo. "Então eu encontrei Hillman e nós começamos a tocar essas coisas country e dissemos: 'vamos montar uma banda juntos, gravar um álbum e ver o que acontece'", ele conta.

Trabalhando em Miami e então de novo na Inglaterra, eles fundiram "um amplo espectro de estilos" e eram prolíficos o bastante para que o primeiro álbum do Manassas, de 1972, fosse duplo. "Era como se tivéssemos a energia de meninos de 5 anos", Stills diz rindo. "Eu não conseguia parar. Infelizmente, isso não aconteceu mais desde então".

Olhando para trás, ele sente que foi um erro o Manassas começar com um álbum duplo. "O motivo para ter feito aquilo foi porque havia uma variedade de estilos tão grande que era realmente impossível escolher faixas apenas para um disco".

Mas o Manassas teve vida curta, atropelado pelas exigências de uma reunião de 1974 do Crosby, Stills, Nash & Young e pelo segundo disco do Manassas, "Down the Road" (1975), que Stills reconhece que não foi o melhor trabalho. "Tentamos retomar, e todo mundo tentava me forçar de volta a situações nas quais eu não estava confortável".

Então ele se casou. "Foi um tempo muito caótico. Eu acho que, caso não houvesse tamanho turbilhão acontecendo em torno da minha vida e da vida de todo mundo, nós poderíamos ter sido um pouco mais reflexivos".

Crosby, Stills & Nash e o novo disco de covers 
"Pieces" deu a Stills uma chance de recuperar um pouco o legado do Manassas e ele já fala a respeito de uma caixa da música da banda, assim como algumas gravações ao vivo não lançadas. "Live at Shepherd's Bush" dá aos fãs a chance de provar seu trabalho solo mais recente, que divide as faixas que abrangem toda a carreira entre apresentações acústicas e trabalhos elétricos com toda a banda, mais covers de "Girl From the North Country" de Bob Dylan e "The Wrong Thing to Do" de Tom Petty.

Ele termina com o maior hit solo de Stills, "Love the One You're With" (1970), uma canção que ele já rearranjou tantas vezes que já perdeu a conta. "Para ser honesto, é uma música estúpida", ele diz rindo. "Ela deveria ser tipo 'Itsy Bitsy Teenie Weenie Yellow Polka Dot Bikini' 󞩘], uma canção simples de massa. Mas nós fizemos uma gravação tão boa, apesar de feita às pressas, que se transformou em um sucesso".

Então Stills se entediou com ela e começou a mudá-la. "E continuei mudando. Você pode tratá-la como quiser, dependendo do espírito da turnê. Eu posso fazer uma versão latina, para cima, ou posso desacelerá-la para uma canção de rhythm and blues. É o único modo para que eu consiga me manter interessado nela".

Aquelas gravações com Hendrix estão em seu radar, apesar de Stills dizer que o material "não é tão grande quanto as pessoas pensam que é". Há duas faixas quase finalizadas, ele diz, "Old Times Good Times" e outra com apenas um título de trabalho. Stills está trabalhando com a empresa da família Hendrix, Experience Hendrix, em um plano para lançamento delas, e também está regravando algumas novas partes de baixo para gravações que Hendrix fez com Johnny Winter.

Quanto ao Crosby, Stills & Nash, o trio continua a trabalhar com Rubin no álbum de covers. Durante os shows deste ano, o trio apresentou "Midnight Rider" (1970) da Allman Brothers Band, "Girl From the North Country" (1963) de Dylan, "Uncle John's Band" (1970) do Grateful Dead, "Ruby Tuesday" (1967) dos Rolling Stones e "You Can Close Your Eyes" (1971) de James Taylor, mas Stills diz que ainda não sabe quando o álbum será concluído.

"Testar essas canções na estrada têm ajudado muito, mas o pior que poderíamos fazer é apressar as coisas. Nós aprendemos algumas músicas, gravamos e então vemos se podemos deixá-las o mais naturais possíveis. Se não conseguirmos acertar o som em três, quatro, cinco, seis vezes, qualquer coisa além disso e você não vai conseguir qualquer sentimento".

Enquanto isso, Stills promete que em breve terá outro álbum solo como sequência de "Man Alive!". "Eu estou finalmente sentindo algumas músicas e algumas coisas a dizer. Eu quero trabalhar com meu quarteto e ir a um lugar onde há muito ar e obter boas interpretações ao vivo, não todas aquelas partes excessivamente produzidas e vozes dobradas".

Stills espera testar parte do novo material solo na estrada antes de entrar no estúdio, mas ele já está confiante de que haverá uma diversidade de estilos. "Há alguns tipos de música que desejo escutar um pouco mais e deixá-las serem filtradas e tornarem-se minhas. No coração eu sou um tocador de blues e de música latina, e essa combinação ainda me intriga. Eu também estou voltando às canções country acústicas e um pouco de jazz".

A conclusão de Stills é de que ele recuperou sua energia. "Eu tenho essas coisas de velho que doem, tendinite nos polegares e joelhos que rangem, mas estamos trabalhando nisso. Eu estou realmente feliz e ainda amo a música. O que mais alguém pode pedir?"

*Gary Graff é um jornalista free-lance baseado em Beverly Hills, Michigan

Tradutor: George El Khouri Andolfato