Herbie Hancock diz que projeto global "Imagine" é o disco mais difícil que já fez

GARY GRAFF

The New York Times Sindycate

Para começar, Herbie Hancock não se sente como se tivesse 70 anos. 

“Oh, não, eu ainda me sinto como se tivesse 25 ou 30”, diz o venerado pianista, falando por telefone do escritório em Los Angeles de sua empresa, a Hancock Music. “É ótimo. As pessoas me perguntam: ‘Você já pensou em se aposentar?’ E eu respondo: ‘O quê? Por que eu pensaria nisso?’” 

“O único tipo de aposentadoria que espero é quando minhas mãos ficarem cruzadas sobre meu peito e me colocarem em uma caixa de pinho. Com sorte, isso não acontecerá tão cedo.” 

Certamente há pouco sinal de que a idade está diminuindo seu ritmo. Em 2008, Hancock conquistou um prêmio Grammy de álbum do ano por “River/The Joni Letters”, contendo canções de Joni Mitchell com cantores convidados como Leonard Cohen, Norah Jones, Corinne Bailey Rae e Tina Turner. Naquele mesmo ano, ele ajudou a produzir “RoboCop”, um faixa do álbum “808s & Heartbreak”, de Kanye West, e em 2009 ele participou do concerto “We Are One” para celebrar a posse de Barack Obama, tocando “Rhapsody in Blue” de Gershwin ao lado do pianista chinês Lang Lang. 

Herbie Hancock e Macy Gray cantam "River" em SP

Hancock também aceitou a cadeira de jazz na Filarmônica de Los Angeles por um período de dois anos, que encerrará em 2012 e, enquanto seu 70º aniversário é celebrado com shows especiais no Carnegie Hall de Nova York e no Hollywood Bowl, ele está trabalhando em um novo álbum, “The Imagine Project”, gravado em 15 estúdios em sete países e contando com convidados notáveis, como Jeff Beck, The Chieftains, Toumani Diabete, Chaka Khan, Dave Matthews, Pink, Seal e Wayne Shorter. 

Claramente ele não é alguém que repousa em seus louros. 

“Eu decidi que, daqui em diante, eu quero que cada álbum seja diferente de qualquer álbum que já tenha feito antes”, diz Hancock, que tem uma dúzia de prêmios Grammy e um Oscar pela trilha sonora de “Por Volta da Meia-Noite” (1986). “Isso não significa que estou fechado para tudo o que já fiz antes, mas não quero que as coisas sejam apenas uma sequência de algo ou uma cópia, de qualquer forma, de algo que já tenha feito.” 

“Há uma tendência das pessoas se sentirem desencorajadas em tentar algo novo ou fazer algo de uma forma diferente”, diz o pianista, que é um budista praticante. “Eu considero isso prejudicial ao espírito criativo que todos os seres humanos possuem e não quero contribuir com isso.”

Estreia aos 11 anos
Nascido em Chicago, Hancock estudou piano clássico desde pequeno e tinha apenas 11 anos quando tocou o primeiro movimento do "Concerto de Piano Nº5" de Mozart com a Orquestra Sinfônica de Chicago. Ele começou a tocar jazz no colégio e estudou música no Grinnell College em Iowa, a abandonando quando restava apenas uma matéria para a formatura para voltar para Chicago e trabalhar com Donald Byrd e Coleman Hawkins. 

Seu primeiro álbum solo, “Takin’ Off” (1962), apresentava sua canção marcante, “Watermelon Man”, mas ele realmente despontou quando o baterista Tony Williams o apresentou à lenda do trompete, Miles Davis, que em 1963 chamou Hancock para integrar a banda que se tornou conhecida como seu “segundo grande quinteto”, ao lado de Williams, do baixista Ron Carter e do saxofonista Wayne Shorter. Mesmo após ser afastado da banda por Davis em 1968, ele ainda chamou Hancock para tocar em álbuns notáveis como “In a Silent Way” (1969) e “A Tribute to Jack Johnson” (1970). 

Apesar do afastamento ter doído –“Miles estava começando a procurar por um novo som”, diz Hancock, “então eu não levei isso para o lado pessoal”– ele não demorou para se reerguer, primeiro compondo a trilha sonora para o desenho animado especial de Bill Cosby, “Hey, Hey, Hey, It’s Fat Albert” (1969), e então seguindo Davis no reino do jazz-rock-fusion com seu álbum “Crossings” (1972) e subsequentemente com sua banda, os Headhunters. Ele também trouxe outros ex-integrantes do quinteto de Davis, acrescentando Freddie Hubbard no trompete, para formar a banda V.S.O.P. no final dos anos 70.

As explorações de Hancock lhe renderam um Grammy por sua música eletrônica instrumental “Rockit” (1983), apesar de seus fãs de jazz terem ficado frustrados com esta nova direção em particular. 

“Eu realmente acredito que há um número infinito de formas de olhar para as coisas. O ser humano tem a capacidade de criar algo diferente toda vez. Eu não acho que a criatividade é limitada. Basta apenas ter uma espécie de fé e coragem –em você mesmo e nos outros– para examinar as coisas e de novas formas.”

Disco global para a paz
Essa filosofia foi o que impediu Hancock de explorar rapidamente o sucesso de “River”. 

“Eu sempre penso: ‘Se vou gravar um álbum, qual o motivo para querer gravar um álbum?’ Em outras palavras, qual seria o propósito? É preciso haver um propósito.” 

Herbie Hancock e Céu - Tempo de Amor

Hancock sabia que ele queria “de alguma forma tratar de algumas das questões atuais”, mas como fazê-lo permaneceu um mistério até que seu advogado sugeriu usar a icônica “Imagine” (1971) de John Lennon como peça central de um álbum que seria “basicamente sobre a paz”. “Era meio o que eu estava procurando”, lembra Hancock. 

Não é necessariamente o momento ideal para fazer música sobre paz, com o país pego por uma profunda turbulência econômica e cada vez mais abandonando a perspectiva global por questões domésticas mais urgentes, mas Hancock vê uma relação entre os dois. 

“Me ocorreu que, talvez pela primeira vez, o americano médio tenha provado diretamente o gosto da globalização, quando bancos falindo aqui afetaram as economias de vários países ao redor do mundo. Então eu comecei a pensar na globalização e isso é algo que pode ser abordado por um ponto de vista musical/cultural... e olhar a ideia da paz por meio da colaboração global.” 

“E me ocorreu que, apesar da música americana supostamente ser a música mais internacional do mundo, porque é possível encontrar álbuns americanos nas paradas de vários países diferentes, todas as gravações são em inglês. Nós realmente não pensamos em termos de nossos álbuns serem globais. Nós pensamos que eles são para americanos.” 

“O que eu quis fazer foi produzir um álbum global e uma das formas de respeitar a cultura de alguém é por meio da língua. Então, se eu tivesse um álbum contendo múltiplas línguas, isso o tornaria um álbum global ou um álbum internacional. Esses foram os blocos básicos de construção (para ‘The Imagine Project’).” 

O resultado foi o que Hancock chama de “o álbum mais difícil que já fiz”, com ele e o produtor Larry Klein perambulando pelo planeta para trabalhar com um time internacional de artistas. 

“The Song Goes On”, composta por Klein, por exemplo, foi gravada em estúdios em Los Angeles e Mumbai, com um elenco musical que incluiu Khan, Shorter e a citarista Anoushka Shankar. A base instrumental para “Tomorrow Never Knows” dos Beatles foi gravada em Los Angeles, mas Matthews acrescentou sua voz em casa, em Seattle. A versão do álbum de “The Times, They Are a-Changin’” de Bob Dylan –com The Chieftains, Lisa Hannigan e o artista malinês Diabete– foi montada a partir de sessões de gravação em Bamaco, Dublin, Los Angeles e Paris. 

“Imagine”, com India Arie, Beck, Pink, Seal, e o grupo congolês Konono Nº 1, conta com um itinerário de viagem que passa por Londres, Paris e cinco estúdios diferentes na Califórnia. 

“É esse tipo de experiência. Você precisa se readaptar completamente para cada canção. Normalmente não é preciso fazer isso.” 

“Mas eu gosto do fato de tudo no álbum ser diferente de tudo mais. Isso está alinhado ao que está sendo praticado atualmente pelo público em geral, com as pessoas comprando canções. No passado era preciso comprar o álbum inteiro, agora você pode comprar as canções individualmente, de forma que as pessoas compram o que querem e montam sua própria compilação.” 

“De certa forma este álbum é como uma compilação e acho que é boa.” 

As várias sessões para “The Imagine Project” foram filmadas e serão usadas para um documentário e aplicações baseadas em internet, possivelmente um site que permitirá aos fãs remixarem as faixas do álbum. Hancock também planeja incorporar as imagens em seus concertos neste ano, dedicando parte do show ao álbum e incluindo os convidados por meio de vídeos sincronizados com a banda ao vivo, ele diz, “para que possibilite conduzir as pessoas por uma jornada real pela música”. 

“Nós vamos tocar meio que de forma retrospectiva, com as canções mais antigas primeiro e então o restante do show será composto pela música deste álbum. Isso é algo que nunca fiz antes –eu sempre as misturei. Desta vez quero adotar uma abordagem diferente e aguardo ansiosamente por isso.” 

“Como artista, seu trabalho é sempre fazer algo diferente e algo novo”, conclui Hancock. “Sempre. Isso não muda, independente de há quanto tempo você faz isso.” 

(Gary Graff é um jornalista free-lance baseado em Beverly Hills, Michigan.)

Tradutor: George El Khouri Andolfato

UOL Cursos Online

Todos os cursos