John Mellencamp grava seu 25º disco em lugares históricos dos Estados Unidos; leia entrevista

GARY GRAFF*

The New York Times Syndicate

John Mellencamp é um sujeito de “cidade pequena”, mas que tem grandes planos neste ano. O cantor e compositor nascido em Indiana e integrante do Salão da Fama do Rock and Roll está lidando com seu passado, presente e futuro, tudo ao mesmo tempo: em junho, ele lançou “On the Rural Route 7609”, uma caixa com 4 CDs que cobrem seus 35 anos de carreira e que contam com uma dúzia de faixas inéditas.

Agosto traz “No Better Than This”, um álbum de material novo gravado com um único microfone e um gravador de rolo em três lugares históricos no Sul dos Estados Unidos. Enquanto isso, Mellencamp e o escritor Stephen King ainda estão trabalhando em seu musical para teatro, “Ghost Brothers of Darkland County”, para o qual trouxeram recentemente uma nova diretora, a atriz norueguesa indicada ao Oscar, Liv Ullman.

A única coisa que Mellencamp não fez foi parar de fumar, apesar do enfarte de 1994 e da recente campanha feita por seu filho Speck, para que um milhão de pessoas visitasse uma página do Facebook pedindo para que seu pai parasse de fumar. “Isso foi uma conversa de família no Dia de Ação de Graças que saiu de controle”, diz Mellencamp, de 58 anos, rindo, por telefone de sua casa, próxima de Bloomington, Indiana.

John Mellencamp - "Small Town"

Speck conseguiu 700 mil nomes, mas depois foi perdendo o interesse. "Você não acha que já estou poluído o suficiente? Eu já fumo há tanto tempo que não acho que faria muita diferença. Acho que minha data de validade para parar de fumar já expirou. Além disso, não é minha intenção ficar citando nomes, mas estive há pouco tempo com Keith Richards e ele ainda está fumando, então...”, conclui o músico.

Baixa fidelidade em locais históricos
“No Better Than This” é o 25º álbum de Mellencamp e um de seus mais singulares, não apenas pelo processo de gravação de baixa fidelidade, mas também pelos locais em que foi gravado: no Sun Studios, em Memphis; no Quarto 414 do Gunter Hotel, em San Antonio, onde Robert Johnson fez suas primeiras gravações em novembro de 1936; e na Primeira Igreja Batista Africana em Savannah, na Geórgia, a primeira igreja negra nos Estados Unidos e uma parada da ferrovia subterrânea antes da Guerra Civil.

“Eu gostei da ideia de que havia uma história por trás da gravação fora. E aqui está outro álbum do John Mellencamp", explica o cantor e compositor. “Há uma história por trás da igreja em Savannah, do Sun Studios e do Quarto 414. São lugares que eu gostaria de visitar de qualquer forma. Então não seria ótimo gravar neles?”, questiona.

Mellencamp fez as gravações nos dias de folga durante sua turnê de 2009 por estádios de beisebol da segunda divisão com Bob Dylan e Willie Nelson. Ele e o produtor ganhador do Grammy, T-Bone Burnett, que produziu o aclamado álbum de Mellencamp, “Life Death Love and Freedom” (2008), gravaram 14 canções, com 13 delas entrando para o álbum.

Quanto ao gravador de rolo Ampex de 55 anos, ele custou US$ 175 no eBay. “Adorei a ideia de tentar desviar 180 graus de onde a música está agora, com apenas músicos pré-fabricados, embalados em plástico e comercializados. Estávamos de volta ao mínimo denominador comum, um microfone e uma banda sem overdubs, sem eco, sem correção. Eu adorei a ideia toda".

Ele tem horas de histórias das sessões, que foram documentadas pelo cineasta Kurt Marcus. Em Savannah, por exemplo, Mellencamp gravou seus vocais do púlpito, que ficava bem acima da pia batismal, onde ele e sua mulher, Elaine, foram batizados. “Acho que fomos os primeiros brancos batizados naquela igreja”, diz Mellencamp, que tem dois filhos com Elaine e três filhas de seus dois casamentos anteriores, além de cinco netos. “Quando entro em lugares sagrados sempre fico temeroso de que algo ruim vai acontecer, mas saímos ilesos".

John Mellencamp - "Pink Houses"


O piso do estúdio da Sun Records, o primeiro lar de artistas como Johnny Cash, Jerry Lee Lewis, Elvis Presley e muitos outros, foi marcado com vários Xs para os cantores e músicos, para simplificar a disposição. Mellencamp e Burnett estudaram plantas do Gunter Hotel para recriar o layout que Johnson usou para suas gravações, até mesmo arrancando o carpete, cortinas e outros materiais que foram adicionados ao quarto ao longo dos anos. “Para mim, eu estava no mesmo ponto exato usado por Johnson”.

“No Better Than This” permanece sonicamente fiel a esses ambientes, com arranjos esparsos, arejados e uma ambiência intimista crua, que faz com que os ouvintes sintam-se como se estivessem sentados na sala com Mellencamp e os músicos. As canções são rústicas, abrindo às vezes para ingresso de sabores de blues, country e rockabilly, combinando narrativa folk com comentários sociais.

Disco como cartão de visita
Certamente não é um ingrediente para singles de sucesso e álbuns platinados, mas, após ter vendido mais de 40 milhões de álbuns e emplacado 22 sucessos Top 40, Mellencamp diz que esse tipo de sucesso não é mais uma prioridade para ele. “Cheguei à conclusão de que qualquer disco que eu lance agora é apenas um cartão de visita para que as pessoas saibam que ainda estou compondo. Não vejo grandes vendas porque as pessoas não compram mais álbuns".

A turnê de divulgação de “No Better Than This” apresentará uma resposta heterodoxa para o problema de vender uma apresentação ao vivo de canções cujo sentido é, em parte, o local onde foram gravadas. O filme de Marcus será exibido no início da noite e será seguido por um set acústico despojado com Mellencamp e sua banda, um segmento solo e então um set de rock plenamente elétrico. “Haverá três tipos de John Mellencamp e também um filme. Eu nunca fiz algo assim antes".

Quanto a “On the Rural Route 7609”, Mellencamp admite que inicialmente resistiu a um projeto de retrospectiva e o enrolou por quase uma década. “Fazia parte do meu contrato, mas eu não tinha a intenção de olhar para trás e lançar uma caixa com um CD cheio de hits e, com o passar do tempo, os sucessos diminuem. Eu não queria olhar para trás assim, não me importo com isso".

Mas ao produzir a coleção com seu guitarrista de longa data, Mike Wanchic, Mellencamp teve a ideia de destacar material mais obscuro de seu catálogo e até mesmo apresentar demos de composição de faixas como “Jack & Diane” (1982), “Authority Song” (1983) e “Cherry Bomb” (1987). O álbum até mesmo inclui leituras poéticas de suas letras pela atriz Joanne Woodward e pelo acadêmico Cornell West. "Acho que todas essas canções [em ‘On the Rural Route 7609’] foram ignoradas. Acho que assim foi uma boa forma de dizer que, tudo bem, esta não foi sucesso".

 

Mellencamp diz que teve muita sorte e muito azar de ser um astro do rock. “Você liga o rádio e escuta ‘Pink Houses’ (1983) pela 9.000ª vez, e presume que isso é tudo o que o John Mellencamp faz. O Led Zeppelin foi muito mais do que apenas ‘Stairway to Heaven’ (1971), mas é só o que se ouve. Os Rolling Stones são muito mais do que ‘Honky Tonk Women’ (1969), Bob Seger foi muito mais do que ‘Night Moves’ (1976). Isso é o que você ouve o tempo todo, mas não se trata de toda a história. E acontece o mesmo comigo".

*Gary Graff é um jornalista free-lance baseado em Beverly Hills, Michigan

Tradutor: George El Khouri Andolfato

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