Três décadas depois, o Depeche Mode olha adiante com "Sounds of The Universe"
GARY GRAFF
The New York Times Syndicate
Em algum momento durante a turnê para divulgação de seu novo álbum, "Sounds of the Universe", o Depeche Mode celebrará seu 30º aniversário. Mas Martin Gore, o principal instrumentista e compositor do grupo britânico de tecnopop, não parece muito empolgado com isso.
"Eu não sei o que faremos, sério", ele diz, falando por telefone de Nova York. "Nós precisamos descobrir qual é a data oficial. Nós não podemos decidir o que fazer até saber qual ela é, sabe como é?"
Depeche Mode anuncia dois shows no Brasil em outubro
Basta dizer que Gore e seus companheiros -o tecladista Andy Fletcher e o vocalista Dave Gahan- têm outras coisas em mente. Como o novo álbum, que é o 12º deles. E a turnê mundial. E o que fazer com as quatro canções adicionais que gravaram, mas que sentiram que não encaixavam em "Sounds of the Universe".
"O presente costuma ser mais interessante para nós do que o passado", diz Gore.
Dito isso, ele está ciente de que três décadas ininterruptas de colaboração e vendas de mais de 100 milhões de álbuns representam um bom retrospecto, sem contar um bastante raro.
"Há poucos sobreviventes daquela época", reconhece Gore, 47 anos. "Acho que somos a única banda de que me recordo que de fato permaneceu junta e lançou álbuns. Há bandas que se reencontram a cada poucos anos e saem em turnês de reunião e coisas assim, mas há apenas poucas bandas, como nós e o The Cure, talvez o R.E.M., que são mais ou menos da mesma época e que, de alguma forma, mantiveram o curso."
O motivo para a durabilidade do Depeche Mode não é segredo, ele acrescenta.
"No final do dia se resume às canções", diz Gore. "As canções são boas, independente de como foram tocadas ou do que tratavam. E o fato de termos saído e realizado milhares de shows ao vivo, o que é incomum para uma banda eletrônica, provou que podemos sair, tocar para platéias imensas e que realmente somos uma banda."
"Eu acho que ajudou o fato de termos começado como uma banda eletrônica. Isso significou que estávamos alguns passos à frente. Nós estávamos de certa forma à frente do nosso tempo. Eu acho que isso ajudou a nos estabelecermos."
A música eletrônica ainda era mais ou menos uma novidade quando o Depeche Mode foi formado, com apenas alguns sucessos ocasionais -como "Popcorn" (1972) do Hot Butter e "Autobahn" (1974) do Kraftwerk- agitando o mainstream da música pop. O Depeche Mode nasceu de bandas de rock mais tradicionais como No Romance in China, The French Look e Composition of Sound, no final coalescendo com os atuais três integrantes e o tecladista Vince Clarke e tirando seu nome do termo francês para "despacho de moda" (ou "última moda", ou "moda passageira").
O Depeche Mode logo assinou com o selo britânico Mute e teve rápidos sucessos no Reino Unido com "New Life" e "Just Can't Get Enough" (ambos de 1981), enquanto seu álbum de estréia, "Speak & Spell" (1981), chegou ao Top 10 britânico e causou certa agitação nos clubes e no meio underground norte-americano.
Mas Clarke decidiu deixar a banda, primeiro para formar o Yazoo com a cantora Alison Moyet e depois o grupo Erasure. Ele foi substituído por Alan Wilder, e apesar da resposta mista da crítica -a "Rolling Stone" considerou a música da banda sonsa e infantil- o Depeche Mode apenas ganhou impulso com uma série de sucessos, como "People Are People" (1984), "Personal Jesus" (1989), "Enjoy the Silence" (1990) e "Policy of Truth" (1990).
O grupo também se tornou uma grande atração ao vivo em todo o mundo, atraindo mais de 60 mil pessoas ao Rose Bowl em Pasadena, Califórnia, para um concerto de 1988 documentado no filme de D.A. Pennebaker, "Depeche Mode 101" (1989).
O Depeche Mode enfrentou vários problemas não musicais ao longo dos anos, como o vício de Gahan em heroína, a saída de Wilder em 1995 e uma "instabilidade mental" não especificada que afastou Fletcher por algum tempo. Mas Gore -que sofreu alguns acessos nos anos 90 e também decidiu parar de beber durante a última turnê do Depeche Mode, para divulgação de "Playing the Angel" (2005)- diz que a continuidade da banda nunca esteve em dúvida.
"Nós simplesmente optamos por mantê-la. Ocorreram momentos difíceis em que talvez tenhamos nos perguntado se queríamos continuar, mas a resposta sempre foi sim."
"Eu acho que fazemos algo único, aventureiro e que se sempre nos mantém unidos para ver o que mais podemos fazer."
A durabilidade criativa da banda também foi auxiliada, acrescenta Gore, pela ascensão de Gahan como compositor. O cantor lançou dois álbuns solo -"Paper Monster" (2003) e "Hourglass" (2007)- e Gore, que costumava compor todo o material, fez questão de incluir Gahan no processo criativo do Depeche Mode.
"De certa forma eu sinto menos pressão do que no passado", diz Gore. "Era natural que Dave quisesse começar a contribuir. Eu acho que agora ele aprecia o manto que vesti desde que Vince deixou a banda em 1981.
"E como ele decidiu gravar outro álbum solo, eu sabia que ele estaria ocupado por grande parte de 2007 e possivelmente o início de 2008. Isso me deu bastante tempo livre para me dedicar à composição."
Em seu estúdio doméstico em Santa Bárbara, Califórnia, Gore se cercou de fotos de Chet Baker, John Lee Hooker, Elvis Presley e dos Rolling Stones -"É bom tê-los zelando por você", ele diz- assim como uma grande variedade de instrumentos musicais para inspiração. Ironicamente, entretanto, ele acabou realizando grande parte de seu trabalho para "Sounds of the Universe" em seu laptop.
"Eu realizei todas as demos em um mundo virtual, e só saí dele para gravar os vocais e adicionar guitarra. Eu acho que isso ajudou o processo a ser mais fácil e rápido. Eu nunca entrei em um projeto antes já com 20 músicas debaixo do braço. Nós pudemos fazer uma seleção melhor para o álbum."
Também não prejudicou o fato de "Sounds of the Universe" ter sido o primeiro álbum em que ele trabalhou sóbrio.
"Antes, eu sempre me sentia um pouco assustado", ele reconhece. "Eu caí na armadilha de acreditar no mito urbano de que não é possível compor e ser prolífico a menos que esteja sob a influência de uma droga ou outra. Isso permaneceu comigo por muito tempo, de forma que estou realmente satisfeito por ter comprovado a falácia desse mito."
Algumas das canções mantidas para "Sounds of the Universe" foram algumas das primeiras a surgir, como "Peace" e "Little Soul". Elas formaram a base do álbum, diz Gore, estabelecendo "um tom bastante espiritual" que permeia o álbum.
Todavia, o primeiro single diferente, "Wrong", surpreendeu os fãs quando o Depeche Mode o lançou em fevereiro.
"Nós temos uma história de desafiarmos a nós mesmos e aos nossos ouvintes, especialmente com o primeiro single que extraímos de um álbum."
Seu ponto de partida para a composição foi "o tipo de melodia diferente que serve de base para a canção. Algo nela parecia estranha e errada. Eu comecei a tocar os acordes e a cantar junto, e toda aquela coisa de cantar de forma alta e descontrola começou a rolar e funcionou muito bem".
"Desde o momento em que ouvimos aquilo, eu acho que fomos unânimes em decidir que deveria ser o primeiro single, porque era diferente de tudo o que lançamos antes. Nós sempre tentamos sair de nossa zona de segurança."
"Wrong" soou certa para os ouvintes, emplacando em 20 países ao redor do mundo e chegando ao Top 20 nos Estados Unidos. E vem mais por aí: o Depeche Mode está planejando uma turnê de um ano para divulgação de "Sounds of the Universe" e, é claro, celebrar aquele 30º aniversário, seja lá que dia for no final do ano.
"Nós estamos absolutamente surpresos e gratos por podermos fazer música por 29 anos em nossa carreira, e por haver uma platéia esperando por nós. E aparentemente somos mais populares hoje do que antes e ainda estamos atraindo um público jovem."
"Eu acho isso realmente incrível e espero que continue dessa forma."
(Gary Graff é um jornalista free-lance baseado em Beverly Hills, Michigan)
Tradução: George El Khouri Andolfato
The New York Times Syndicate
Em algum momento durante a turnê para divulgação de seu novo álbum, "Sounds of the Universe", o Depeche Mode celebrará seu 30º aniversário. Mas Martin Gore, o principal instrumentista e compositor do grupo britânico de tecnopop, não parece muito empolgado com isso.
"Eu não sei o que faremos, sério", ele diz, falando por telefone de Nova York. "Nós precisamos descobrir qual é a data oficial. Nós não podemos decidir o que fazer até saber qual ela é, sabe como é?"
Basta dizer que Gore e seus companheiros -o tecladista Andy Fletcher e o vocalista Dave Gahan- têm outras coisas em mente. Como o novo álbum, que é o 12º deles. E a turnê mundial. E o que fazer com as quatro canções adicionais que gravaram, mas que sentiram que não encaixavam em "Sounds of the Universe".
VEJA FOTOS DO DEPECHE MODE |
VEJA LETRAS DO DEPECHE MODE |
"O presente costuma ser mais interessante para nós do que o passado", diz Gore.
Dito isso, ele está ciente de que três décadas ininterruptas de colaboração e vendas de mais de 100 milhões de álbuns representam um bom retrospecto, sem contar um bastante raro.
"Há poucos sobreviventes daquela época", reconhece Gore, 47 anos. "Acho que somos a única banda de que me recordo que de fato permaneceu junta e lançou álbuns. Há bandas que se reencontram a cada poucos anos e saem em turnês de reunião e coisas assim, mas há apenas poucas bandas, como nós e o The Cure, talvez o R.E.M., que são mais ou menos da mesma época e que, de alguma forma, mantiveram o curso."
O motivo para a durabilidade do Depeche Mode não é segredo, ele acrescenta.
"No final do dia se resume às canções", diz Gore. "As canções são boas, independente de como foram tocadas ou do que tratavam. E o fato de termos saído e realizado milhares de shows ao vivo, o que é incomum para uma banda eletrônica, provou que podemos sair, tocar para platéias imensas e que realmente somos uma banda."
"Eu acho que ajudou o fato de termos começado como uma banda eletrônica. Isso significou que estávamos alguns passos à frente. Nós estávamos de certa forma à frente do nosso tempo. Eu acho que isso ajudou a nos estabelecermos."
A música eletrônica ainda era mais ou menos uma novidade quando o Depeche Mode foi formado, com apenas alguns sucessos ocasionais -como "Popcorn" (1972) do Hot Butter e "Autobahn" (1974) do Kraftwerk- agitando o mainstream da música pop. O Depeche Mode nasceu de bandas de rock mais tradicionais como No Romance in China, The French Look e Composition of Sound, no final coalescendo com os atuais três integrantes e o tecladista Vince Clarke e tirando seu nome do termo francês para "despacho de moda" (ou "última moda", ou "moda passageira").
O Depeche Mode logo assinou com o selo britânico Mute e teve rápidos sucessos no Reino Unido com "New Life" e "Just Can't Get Enough" (ambos de 1981), enquanto seu álbum de estréia, "Speak & Spell" (1981), chegou ao Top 10 britânico e causou certa agitação nos clubes e no meio underground norte-americano.
Mas Clarke decidiu deixar a banda, primeiro para formar o Yazoo com a cantora Alison Moyet e depois o grupo Erasure. Ele foi substituído por Alan Wilder, e apesar da resposta mista da crítica -a "Rolling Stone" considerou a música da banda sonsa e infantil- o Depeche Mode apenas ganhou impulso com uma série de sucessos, como "People Are People" (1984), "Personal Jesus" (1989), "Enjoy the Silence" (1990) e "Policy of Truth" (1990).
O grupo também se tornou uma grande atração ao vivo em todo o mundo, atraindo mais de 60 mil pessoas ao Rose Bowl em Pasadena, Califórnia, para um concerto de 1988 documentado no filme de D.A. Pennebaker, "Depeche Mode 101" (1989).
O Depeche Mode enfrentou vários problemas não musicais ao longo dos anos, como o vício de Gahan em heroína, a saída de Wilder em 1995 e uma "instabilidade mental" não especificada que afastou Fletcher por algum tempo. Mas Gore -que sofreu alguns acessos nos anos 90 e também decidiu parar de beber durante a última turnê do Depeche Mode, para divulgação de "Playing the Angel" (2005)- diz que a continuidade da banda nunca esteve em dúvida.
"Nós simplesmente optamos por mantê-la. Ocorreram momentos difíceis em que talvez tenhamos nos perguntado se queríamos continuar, mas a resposta sempre foi sim."
"Eu acho que fazemos algo único, aventureiro e que se sempre nos mantém unidos para ver o que mais podemos fazer."
A durabilidade criativa da banda também foi auxiliada, acrescenta Gore, pela ascensão de Gahan como compositor. O cantor lançou dois álbuns solo -"Paper Monster" (2003) e "Hourglass" (2007)- e Gore, que costumava compor todo o material, fez questão de incluir Gahan no processo criativo do Depeche Mode.
"De certa forma eu sinto menos pressão do que no passado", diz Gore. "Era natural que Dave quisesse começar a contribuir. Eu acho que agora ele aprecia o manto que vesti desde que Vince deixou a banda em 1981.
"E como ele decidiu gravar outro álbum solo, eu sabia que ele estaria ocupado por grande parte de 2007 e possivelmente o início de 2008. Isso me deu bastante tempo livre para me dedicar à composição."
Em seu estúdio doméstico em Santa Bárbara, Califórnia, Gore se cercou de fotos de Chet Baker, John Lee Hooker, Elvis Presley e dos Rolling Stones -"É bom tê-los zelando por você", ele diz- assim como uma grande variedade de instrumentos musicais para inspiração. Ironicamente, entretanto, ele acabou realizando grande parte de seu trabalho para "Sounds of the Universe" em seu laptop.
"Eu realizei todas as demos em um mundo virtual, e só saí dele para gravar os vocais e adicionar guitarra. Eu acho que isso ajudou o processo a ser mais fácil e rápido. Eu nunca entrei em um projeto antes já com 20 músicas debaixo do braço. Nós pudemos fazer uma seleção melhor para o álbum."
Também não prejudicou o fato de "Sounds of the Universe" ter sido o primeiro álbum em que ele trabalhou sóbrio.
"Antes, eu sempre me sentia um pouco assustado", ele reconhece. "Eu caí na armadilha de acreditar no mito urbano de que não é possível compor e ser prolífico a menos que esteja sob a influência de uma droga ou outra. Isso permaneceu comigo por muito tempo, de forma que estou realmente satisfeito por ter comprovado a falácia desse mito."
Algumas das canções mantidas para "Sounds of the Universe" foram algumas das primeiras a surgir, como "Peace" e "Little Soul". Elas formaram a base do álbum, diz Gore, estabelecendo "um tom bastante espiritual" que permeia o álbum.
Todavia, o primeiro single diferente, "Wrong", surpreendeu os fãs quando o Depeche Mode o lançou em fevereiro.
"Nós temos uma história de desafiarmos a nós mesmos e aos nossos ouvintes, especialmente com o primeiro single que extraímos de um álbum."
Seu ponto de partida para a composição foi "o tipo de melodia diferente que serve de base para a canção. Algo nela parecia estranha e errada. Eu comecei a tocar os acordes e a cantar junto, e toda aquela coisa de cantar de forma alta e descontrola começou a rolar e funcionou muito bem".
"Desde o momento em que ouvimos aquilo, eu acho que fomos unânimes em decidir que deveria ser o primeiro single, porque era diferente de tudo o que lançamos antes. Nós sempre tentamos sair de nossa zona de segurança."
"Wrong" soou certa para os ouvintes, emplacando em 20 países ao redor do mundo e chegando ao Top 20 nos Estados Unidos. E vem mais por aí: o Depeche Mode está planejando uma turnê de um ano para divulgação de "Sounds of the Universe" e, é claro, celebrar aquele 30º aniversário, seja lá que dia for no final do ano.
"Nós estamos absolutamente surpresos e gratos por podermos fazer música por 29 anos em nossa carreira, e por haver uma platéia esperando por nós. E aparentemente somos mais populares hoje do que antes e ainda estamos atraindo um público jovem."
"Eu acho isso realmente incrível e espero que continue dessa forma."
(Gary Graff é um jornalista free-lance baseado em Beverly Hills, Michigan)
Tradução: George El Khouri Andolfato





