"Legalização da maconha é um assunto ultrapassado", diz Marcelo D2 em lançamento de disco
Já era mais de duas da tarde desta quinta-feira (9), e Marcelo D2 estava atrasado. Chegou correndo na loja que vai abrir no próximo sábado na Galeria Ouro Fino, em São Paulo. O espaço serviu para uma série de entrevistas sobre seu sexto álbum solo, "Nada Pode Me Parar". Foi lá que o UOL conversou com ele sobre a banda Planet Hemp, o filho Stefan, o velho-novo caminho no rap e o tema sempre presente em seu trabalho: maconha.
D2 chegou agitado, mas com aparência de cansaço. Muita correria por causa do lançamento? "Não, é ressaca mesmo", disse rindo, ao se apresentar apenas como Marcelo. Durante a entrevista, sentado em um sofá de couro marrom da loja, enquanto tomava refrigerante e enrolava os cachos do cabelo com o dedo, D2 falou que "legalização da maconha é um assunto ultrapassado" e comentou a polêmica de Lobão, argumentando que "nunca seguiu uma Bíblia do rap".
UOL Música - Qual a finalidade dessa loja que você vai abrir no sábado?
Marcelo D2 - A loja não é para vender. Isso aqui é um lugar para receber o pessoal, bater um papo, é uma espécie de galeria. A minha vontade de ter um lugar para isso tem muito tempo. E agora corri atrás e fiz. Quero muito fazer happy hour aqui, a gente tá começando a arrumar. Fiz videoclipe para o disco inteiro, quero vir aqui bater papo e mostrar o disco. Fazia muito tempo que não lançava um disco em São Paulo, sabe? Não dava essa atenção. Foi meio que uma vontade de estar aqui. Esse momento do rap no Brasil está tão legal, e acho que em São Paulo ia caber melhor esse conceito de loja. No Rio, se fosse no verão, seria até mais legal. Mas inverno no Rio é foda.
A produção do Mario Caldato no seu novo álbum deu uma levada de rap old school, um toque mais pesado para as músicas. Como você chegou nesse caminho?
Esse acho que já é meu nono disco com o Mário. Ele vai num lugar que me deixa muito confortável, sabe? E é o lugar que eu procuro na música. É um tipo de música mais cheia, que toca aqui, ali, em cima e embaixo, de um lado e do outro. Isso foi sempre o que eu quis. E o Mário, desde que eu ouvi [o disco] "Check Your Head", do Beastie Boys, sabia que era o tipo de som que eu queria. O Mário me ajuda muito nisso. Em 1998, quando eu fiz meu primeiro disco solo, tudo isso parecia muita experiência, rap com samba, rap com música brasileira. Hoje já me soa mais natural uma música que não é mais 'a experiência'.
E, ao mesmo tempo, o álbum traz o ConeCrewDiretoria, que é uma banda nova, e seu filho, Stefan...
O [baterista e compositor] Wilson das Neves fala que a música é uma conversa. Então é muito bom conversar com os mais velhos e com os mais novos também. E foi isso que eu busquei. Ter essa molecada mais nova, ou ter os músicos mais velhos, como o Donato, para mim é muito importante. É um caminho natural de se fazer um disco. Esse disco não é só mais um disco. Eu tava de saco cheio de fazer um disco, queria fazer mais, queria fazer 15 clipes, queria fazer uma loja, queria dar uma cara maior para o trabalho, maior do que só o disco. E o jeito que esses moleques mais novos tratam o trampo é muito inspirador para mim.
Quando o Stefan disse que queria fazer rap você ficou mais orgulhoso ou mais com medo de ele se envolver com a indústria?
Medo não tive nenhum, até porque é legal ter ele por perto. Ele sempre foi, sempre esteve comigo desde moleque, de bem novo, ele tava ali no Planet. Ele é sagaz o suficiente para não ser engolido pela indústria. Ele tem talento, a sabedoria e a sagacidade para isso.
Na semana passada Lobão falou sobre o rap e gerou bastante polêmica. Você acha que tem a ver essa afirmação de que o rap é de esquerda?
Eu nunca me pensei como parte de uma voz do rap. Sempre me senti num caminho diferente. Nunca segui a Bíblia do rap ou disso e daquilo. Eu vi isso, lógico. Mas, sei lá, é o Lobão, sabe? Acho interessante ele levantar uma discussão sobre isso, eu não tenho conhecimento total para falar se ele está certo ou está errado, do que está acontecendo. Não ouvi o suficiente para tirar conclusões, mas é legal ter essa discussão. Acho que é um pouco reaça demais para um artista, muito de direita esse discurso. Agora se é a favor de Dilma ou não [como disse Lobão], eu sou contra tudo e todos.
Em uma entrevista à revista "Rolling Stone Brasil" você disse que, se Dilma fosse reeleita, você fugiria do país. Já bateu essa vontade?
Acho que vou ficar por aqui e encher o saco dela (risos).
Nas letras desse álbum você tem o mesmo posicionamento do Planet, mas os temas são bem mais discretos. Você optou por esse caminho ou acha que não vale mais a pena ser tão rebelde?
Eu acho que é outro papo. O papo do Planet é um, e o desse disco é outro, sabe? As minhas convicções estão ali, mas não precisa estar tão [presente] aqui nesse disco. O papo desse disco é outra conversa. Sobre legalização da maconha, esse papo é tão ultrapassado. É uma coisa do século passado, já devia ser resolvido esse papo. É muito velho, é muito antigo.
Eu nunca me pensei parte de uma voz do rap. Sempre me senti num caminho diferente. Nunca segui a Bíblia do rap ou disso e daquilo
Marcelo D2E qual é o papo nesse álbum?
Tem uma coisa interessante nisso, que eu tenho visto nesses dias que estou falando sobre o álbum, que é essa coisa do redondo, dos 20 anos de carreira, quinto disco solo, 15 anos que eu lancei o "Eu Tiro É Onda". Eu vi que esse disco é autobiográfico pra caramba. Até o próprio nome "Nada Pode Me Parar", que eu tirei de uma música do Thaíde, veio de uma frase que eu tinha no quarto, que era a música dele. "Eu já cai no chão só que me levantei, eu faço meu sistema, eu faço a minha lei, nada pode me parar".
Eu tinha isso escrito e o disco é muito sobre isso, sobre o quanto o rap levantou minha auto-estima, como foi auto-ajuda. Me mostrou que eu fazia parte de um mundo. O papo é esse. É a arrogância, no bom sentido, que o rap tem. Eu acho muito interessante um moleque da favela falar ao mundo como se ele soubesse a verdade inteira. Talvez a verdade seja só aquela que está dentro da cabeça dele, mas é essa verdade. Esse disco é sobre isso, sobre a coragem de falar para o mundo o que acha, sabe?
Como você disse, são 20 anos de carreira, sexto álbum solo... Você pensou em algum momento que poderia ter perdido tudo ou se perdido, como o Chorão e outros se perderam?
Não. É estranho isso, porque... perder o que, entendeu? Porque é minha vida, sou eu. Tem uma coisa dessa maturidade... não me acho maduro o suficiente. Sou mais velho do que maduro, mas tem uma coisa dessa maturidade... hoje em dia eu vejo isso de uma maneira tão... Acho que hoje eu me divirto mais do que eu me divertia antes. Eu aproveito mais tudo isso do que eu aproveitava antes. Eu gosto disso, de estar fazendo música, trabalhando com isso. Nesse momento é foda porque estou numa ressaca fodida, mas ter isso, poder estar aqui... É tão gratificante e legal para mim. Nunca tive esse medo de perder, pelo contrário, eu corro muito atrás, quero muito.
No show do festival Lollapalooza 2013, em São Paulo, o público recebeu vocês como se dissessem que falta o tipo de postura de vocês no palco. Você sente isso também?
Foi incrível para gente, não só o show, mas toda essa turnê com o Planet. A gente botou muito as coisas no lugar. Aprendi o que é minha carreira solo e o que é o Planet Hemp, e foi incrível que 70 ou 80 por cento das pessoas nunca tinha visto o Planet Hemp. Quem tem 25 anos hoje, há dez anos não podia ir num show, era proibido. E foi incrível como as pessoas estavam felizes com aquilo.
Uma das coisas mais legais de quando você está no palco é ver as pessoas mostrarem que estão sentindo o que você está falando. Sempre teve isso, essa energia, essa porrada, era agressivo. Aquele show foi isso. As pessoas queriam o Planet de volta. É diferente hoje porque antigamente as pessoas iam lá para xingar a polícia, o governo, para fumar maconha, era um momento de liberdade. Agora foi um momento mais de afirmação. Agora a gente tem o poder de poder falar sobre isso. Foi bem diferente, mas foi demais.
E vocês pretendem lançar mais alguma coisa depois deste álbum?
A gente quer registrar [um DVD] ao vivo. Foi tão legal [no Lollapalooza], já tem gravado no Multishow, então estamos pensando se vale a pena gastar com isso. Foi legal, foi importante [o show no festival]. E o Planet Hemp não é o tipo de coisa que a gente pensa, porque a gente sai fazendo, sai acontecendo. A turnê foi isso, um show no Circo [Voador, no Rio de Janeiro], e aí virou dez, e virou 15 (risos).
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.