Topo

"Eu não represento o Ecad e o Ecad não me representa", diz Jair Rodrigues sobre PLS 129

Jair Rodrigues em foto divulgada pelo próprio ECAD, alvo da discussão - Reprodução/Facebook
Jair Rodrigues em foto divulgada pelo próprio ECAD, alvo da discussão Imagem: Reprodução/Facebook

Tiago Dias

Do UOL, em São Paulo

04/07/2013 18h18

Jair Rodrigues voltou de Brasília na tarde de quarta (3) consternado. “Eu não represento o Ecad e o Ecad não me representa”, afirmou ao UOL nesta quinta.

O cantor de 74 anos foi um dos artistas que acompanharam a votação do PLS 129/2012 na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). O projeto, aprovado mais tarde no Senado, interfere no funcionamento do Ecad (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição)-- alvo de polêmica desde 2012, quando uma CPI investigou supostas irregularidades de arrecadação dos direitos autorais. “Até aplaudi na hora da votação. O senador (Humberto Costa, relator do projeto) esclareceu. Era o que a gente queria”, disse.

5 PONTOS DO PL 129/12

1) As associações de compositores e intérpretes que compõem o Ecad terão que se habilitar junto ao Ministério da Cultura, comprovando que têm condições de administrar os direitos de forma eficaz e transparente.

2) A taxa de administração cobrada pelo Ecad e pelas associações de gestão coletiva não poderá ultrapassar 15% do valor arrecadado a título de pagamento de direitos.

3) Emissoras de rádio e TV serão obrigadas a tornar pública a relação completa das obras que utilizou e o pagamento deverá espelhar a realidade da execução das músicas. Hoje, essa distribuição se dá por amostragem.

4) Criação de um cadastro unificado de obras que evite o falseamento de dados e a duplicidade de títulos. O autor poderá acompanhar a gestão do seu direito pela internet.

5) As associações que compõem o Ecad só poderão ser dirigidas por titulares dos direitos autorais, ou seja, compositores e intérpretes. Eles terão mandato fixo de três anos, com direito a uma reeleição.

Ao chegar a São Paulo, viu que uma foto sua, com um grupo de pessoas segurando a faixa “PLS 129: Queremos o debate”, tinha sido divulgada nas redes sociais do Ecad e que seu nome estava sendo colocado no grupo contrário à aprovação imediata do projeto. O que foi entendido por internautas e outros profissionais da música como um sinal de apoio ao órgão. Para deixar claro, ele é direto: “Não sou contrário a PLS 129 coisa nenhuma”.

Confira a entrevista:

UOL - O Ecad afirma que há muitos artistas contrários a aprovação imediata do PLS 129, o que acabou acontecendo na quarta-feira no Senado. Na lista de artistas contrários, estão Lobão, Michael Sullivan e você.
Jair Rodrigues -
Eu vou te dizer uma coisa com toda sinceridade. Eu não represento o Ecad e nem o Ecad me representa. Eles não tinham que dizer que eu estava do lado deles. Eu faço parte da Socinpro (Associação Brasileira de Administração e Proteção dos Direitos Intelectuais). Não sou contra o PLS, eu só queria mais esclarecimentos. Só isso. A Socinpro paga meus direitos de execução, somente isso. 

Por que o senhor foi a Brasília ontem? 
Fui através da Socinpro, eles me convidaram para ir lá, estar presente. Então foi isso que eu fiz. Agora eu chego aqui e vejo isso de fotos. Também não assinei nada.

Nenhum abaixo assinado?
Nada, não assinei nada. A única coisa que assinei em Brasília foi a conta do hotel porque eu tinha que assinar para o pessoal pagar (risos). Pode por isso aí que isso é a verdade.

Vocês estavam lá para propor um debate...
Quando eu vi que outros artistas estariam lá com a mesma proposta, fiquei até feliz, falei: "que legal", mas infelizmente não aconteceu. Eu fui para um diálogo com todos os artistas, só isso. Não me encontrei com ninguém. Até me disseram que o Caetano Veloso, o Roberto Carlos e o Erasmo Carlos não estavam lá [os três participaram da votação no Senado, que aconteceu à noite]. Só vi a Roberta Miranda, que foi comigo. Nada disso aconteceu, e agora eu vejo essas coisas contra minha pessoa.

O que aconteceu? 
Eu não sei, estava lá desde as 9h30 da manhã, eu estava na reunião. Não tinha nem lugar pra sentar. Sentei no chão e me deram lugar.

Foi na votação (do relatório do projeto de lei na CCJ)?
Sim, quando o senador fez a votação. Inclusive até aplaudi na hora da votação que o senador esclareceu. Era o que a gente queria. Liberou todo mundo, eu vim embora e tchau.

Você está falando do relator do projeto, senador Humberto Costa?
É.

E assim que ele esclareceu, você aprovou o resultado da votação?
Gostei do resultado. Falei: legal, tal. Agora vem essa coisa que eu sou contra a PLS 129. Não sou contra a PLS 129 coisa nenhuma. Estou dizendo aqui para você com toda a sinceridade: não vou dar esclarecimento para ninguém. A primeira e última está sendo para você, viu nego?

Entenda o caso
Com relatoria do senador Humberto Costa, o projeto de lei 129/12 é resultado de CPI realizada em 2012 que investigou supostas irregularidades na arrecadação e distribuição de direitos por execução de músicas por parte do Ecad.

O PLS 129/2012 estabelece que o Ecad passe a ser fiscalizado por um órgão específico e preste satisfações precisas sobre a distribuição dos recursos. O projeto também determina a redução do teto da taxa administrativa cobrada pelo escritório e pelas associações de gestão coletiva de 25% para 15%, garantindo que os autores recebam 85% de tudo o que for arrecadado pelo uso das obras artísticas.

Você é a favor da fiscalização do Ecad?

Resultado parcial

Total de 4061 votos
39,57%
53,73%
6,70%

O relatório final da CPI pede o indiciamento de 15 pessoas por apropriação indevida de verbas, cobranças excessivas, dentre outras acusações, além de novas regras para que haja mais transparência nas atividades do escritório e um órgão que seja ligado ao Ministério da Justiça para fazer a fiscalização do Ecad.

Em nota divulgada à época, o Ecad afirmou que não identificou "qualquer irregularidade na arrecadação e distribuição de direitos autorais que justifique o indiciamento de dirigentes" e que acusações de abuso de ordem econômica e cartel "já foram afastadas pelo MPF, manifestando-se pelo arquivamento do processo por inaplicabilidade do direito concorrencial".

Criado em 1973 como uma instituição privada formada por diversas associações da indústria musical, o órgão já foi alvo de outras quatro CPIs: uma da Câmara dos Deputados (entre 1995/96), e três em assembleias legislativa estaduais --em São Paulo (2009), em Mato Grosso do Sul (2005) e no Rio de Janeiro (2011).

Artistas divididos
Artistas favoráveis e contrários às mudanças estiveram presentes na votação, depois de passarem o dia em Brasília em reuniões na CCJ, com a ministra da Cultura Marta Suplicy e com a presidente Dilma Roussef. Entre eles, Paula Lavigne, Caetano Veloso, Roberto Carlos, Erasmo Carlos, Alexandre Pires, Carlinhos Brown, Emicida, Fafá de Belém, Otto, Gaby Amarantos, Fernanda Abreu, Frejat, Rogério Flausino, Jorge Vercillo, Lenine, Leoni, Marcio Vitor (Psirico), Nando Reis, Péricles, Pretinho da Serrinha, Roberta Miranda, Thiaguinho e Raimundo Fagner.

Gilberto Gil comemorou a aprovação do projeto em entrevista na Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), no Rio de Janeiro, nesta quinta-feira (4). "Era uma demanda que vinha se manifestando cada vez mais forte no meio artístico, no meio criador, produtor de música, literatura, cinema e teatro", disse o ex-ministro da Cultura. "A gente viu uma mobilização inédita acontecendo no meio. Esperamos agora que seja aprovada na Câmara."

Por sua vez,  Lobão, Danilo Caymmi, Sandra de Sá e o compositor Michael Sullivan integraram o grupo de artistas que queria postergar a votação do tema. Sullivan, por exemplo, defende a criação de um órgão próprio dos compositores para controlar a instituição. "O Ecad é um órgão que pertence aos compositores. Quem tem que fazer somos nós. O Ecad apenas arrecada e distribui, 280 mil autores dependem dos direitos autorais para viver", comentou.

Em nota oficia, o Ecad afirma que o projeto "poderá trazer sérios prejuízos aos compositores e artistas que participam do sistema de gestão coletiva de direitos autorais e execução pública musical no país". O Escritório também afirma que "não teme qualquer tipo de supervisão desde que venha a ser realizada sem viés político, dentro dos limites constitucionais, e que preservem os direitos dos autores e demais titulares de música de fixar o preço pela utilização de suas obras e decidir as regras de distribuição dos valores arrecadados".