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Inezita Barroso não ficou sabendo da morte de José Rico, diz filha

Mariane Zendron

Do UOL, em São Paulo

09/03/2015 09h58

No dia em que completou 90 anos, na quarta-feira (4), a cantora e apresentadora Inezita Barroso já estava sedada no Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, onde morreu na noite de domingo (8). Segundo a única filha de Inezita, Marta, a mãe não chegou a saber da morte de um amigo próximo, um dia antes. “Ela já estava sedada e nem viu a morte do José Rico”, disse. O sertanejo era frequentador assíduo do programa “Viola Minha Viola”, apresentado por Inezita na TV Cultura.

Segundo a filha, a cantora teve uma morte tranquila e sem dor. “Ela não sofreu em nenhum momento. Meu medo era que ela sentisse dor, ficasse agitada, mas isso não aconteceu”, contou ao UOL, durante velório da mãe, na Assembleia Legislativa de São Paulo, na manhã desta segunda-feira (9).

A última gravação do programa, há 35 anos no ar na TV Cultura, foi realizada no fim do ano passado, na casa de Marta, em Campos do Jordão, em São Paulo. “Na última gravação do 'Viola', a equipe dela tirou o chapéu. Foi impressionante porque ela estava com dificuldade e gravou o programa. Ela pediu para mandarem um carro lá [para a casa da filha]. Se você pensar que ela tinha 60 anos de carreira, é incrível mesmo”, observou Marta.

O último programa com Inezita foi exibido no Natal. Quando a cantora fez 90 anos, o “Viola” prestou uma homenagem a ela, mas sem sua presença.

Dias depois da última gravação, Inezita foi diagnosticada com pneumonia e ficou de cama. “Com 90 anos, na cama, aí eu vi que o negocio não estava bom. A pneumonia pegou e não teve jeito”, contou Marta.

O músico Joãozinho, que trabalhava com Inezita havia 18 anos como arranjador musical, endossa: a cantora trabalhou até o último momento. “Como uma mulher de 90 anos, claro, sem tanta energia”, comentou. Ele defende que Inezita esteva além do universo da música caipira. “Ela gravou ‘Moda da Pinga’, mas também gravou ‘Ronda’. Ela gravou de tudo”, disse o músico.

O temperamento forte de Inezita também foi lembrado pela filha. "As coisas tinham que ser do jeito dela. No tempo dela. Mas ela era muito divertida, falava coisas que ninguém imaginava. A pessoa estava falando algo super serio, de repente ela gritava 'vai, Corinthians!'", relembra. Segundo a filha, também era desejo de Inezita que seu caixão fosse coberto com a bandeira do Estado de São Paulo, durante o velório

Após um momento exclusivo para a família, o velório foi aberto aos visitantes por volta das 9h. 

Homenagens

Um dos famosos que foram prestar homenagem a Inezita foi o cantor e compositor Silvio Brito. "A gente sempre jantava junto. Ela gostava muito de conviver com os amigos, de bater papo. Nos encontrávamos muito em shows, tínhamos muitos amigos em comum", disse ele. "Realmente, ela foi fiel em levar adiante a historia da música caipira, a importância da música caipira."

Outros músicos que estiveram no velório foram Lourenco e Lourival, dupla caipira que tinha amizade com Inezita. "A gente trabalhava com ela em circo. Isso no final da década de 1960. Ontem mesmo fizemos uma homenagem a ela na TV Cultura, dos 90 anos [da cantora] e de 35 [do 'Viola, Minha Viola', na TV Cultura", disseram os sertanejos. "Ela era a bandeira da música brasileira. Era uma folclorista que nunca abandonou a música sertaneja. Ela gostava mesmo da música de raiz. Gravamos umas músicas modernas, e ela disse para não fazermos isso nunca mais."  

No final da manhã, o cantor sertanejo Donizetti, que começou sua carreira ainda criança no palco do "Viola", chegou ao velório. "Quando ela me abraçava, ela sempre dizia que eu estava muito bonitinho. Ela tinha muito carinho com a gente. Ela representou a cultura caipira muito dignamente. Inezita foi uma inspiração para mim como foi Jose Rico. Dois grandes ícones da musica que se foram e que temos que respeitar muito", disse o cantor. 

Quem também compareceu ao velório foi o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin. "Já estamos com saudades da Inezita Barroso. Durante 35 anos, o programa dela encantou São Paulo e o Brasil", disse Alckmin, que revelou já ter ido ao programa. "Quando ela fez 88 anos, fui ao programa dela, e alguém perguntou o segredo da vida longa e feliz. Ela dizia que amava a música caipira, gostava do que fazia e fazia bem feito. Ela resgatou as raízes do nosso país."

Trajetória

Ignez Magdalena Aranha de Lima, nome de batismo de Inezita Barroso, nasceu em 4 de março de 1925, no bairro da Barra Funda, zona oeste de São Paulo. Filha de família tradicional paulistana, passou a infância cercada por influências musicais diversas, mas foi na fazenda da família, no interior paulista, que desenvolveu seu amor pela música caipira e pelas tradições populares.  Formou-se em biblioteconomia pela USP e foi uma grande pesquisadora do gênero musical. Por conta própria, percorreu o Brasil resgatando histórias e canções.

Além da cantora, foi instrumentista, arranjadora, folclorista e professora. Em cerca de 60 anos de carreira, gravou mais de 80 discos. Como intérprete, sua gravação mais famosa foi "Moda da Pinga", dos versos "Co'a marvada pinga é que eu me atrapaio/ Eu entro na venda e já dô meu taio/ Pego no copo e dali num saio/ Ali mesmo eu bebo, ali mesmo eu caio/ Só pra carregá é queu dô trabaio, oi lá!".

Na televisão, iniciou a sua carreira artística junto com a TV Record, onde foi a primeira cantora contratada. Depois, passou pela extinta TV Tupi e outras emissoras, até chegar à TV Cultura para comandar o "Viola, Minha Viola", que apresentava desde os anos 1980.

Inezita manteve a rotina de apresentações e gravações do programa até 2014. Em dezembro, ela chegou a ser hospitalizada após cair dentro da casa de sua filha, em Campos do Jordão, no interior de São Paulo. Desde então, não participou mais do seu tradicional programa de música sertaneja.