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Frank Sinatra tinha pouca paciência com gente estúpida, diz maestro

James Cimino

Colaboração para o UOL, em Las Vegas (EUA)

11/12/2015 07h00

Embora um dos maiores hits de Frank Sinatra tenha sido "New York, New York", o cantor americano teve, por 40 anos, uma íntima relação com Las Vegas, a cidade do jogo, do pecado e do entretenimento. Cantar seus sucessos por lá tornou a presença dele tão forte na cidade que o tradicional hotel Caesar's Palace anunciava os shows do cantor em sua marquise luminosa com a frase: "Ele está aqui!". E nada mais.

É o que conta Vincent Falcone, maestro e arranjador de Sinatra entre 1975 e 1986, e que acompanhou o cantor em sua turnê pelo Brasil em 1980, quando se apresentaram no estádio do Maracanã, no Rio de Janeiro, para um público de 150 mil pessoas. Espécie de herdeiro de Sinatra --que lhe entregou suas músicas para que ele permanecesse seu legado vivo após sua morte, em 1998--, Falcone hoje põe em prática o desejo de seu ídolo, mestre e chefe, conduzindo uma orquestra de 32 instrumentistas no espetáculo "Frank: The Man, The Music".

No concerto, protagonizado e produzido pelo ator, cantor e diretor Bob Anderson, uma das apresentações de Sinatra na década de 1970 é reproduzida fielmente. A performance de Anderson é tão meticulosa, precisa e natural que chega a ser assustadora a forma como o ator se apropriou do personagem a ponto de fazer a plateia realmente crer que quem está em cena é o grande astro, que completaria cem anos neste próximo sábado (12).

Há um ano, Bob Anderson encarna Sinatra no musical "Frank: The Man, The Music". Conhecido por imitar à perfeição artistas como Tony Bennett, Nat King Cole e Ray Charles, ele passou dois anos se preparando para entrar no personagem. Agora, quatro vezes por semana, Anderson fica até 2 horas se maquiando antes de subir ao palco. Em sua preparação para interpretar o astro, o ator colocou espelhos em uma sala de sua casa, formando um círculo, e uma TV de tela grande. Às 6h da manhã ele vestia um smoking, colocava os filmes que Sinatra estrelou e, com um fone de ouvido, cantava suas canções. "Fazia isso durante duas horas, quatro dias por semana, e durante dois anos."

Não à toa, Anderson vai interpretar o próprio Frank Sinatra no cinema. O ator gravou cenas para o filme "Se a Vida Começasse Agora", que tem o Rock in Rio como pano de fundo para o romance fictício de um jovem casal. Na vida real, foi Sinatra quem ajudou o empresário Roberto Medina a lançar o festival, em 1985, para celebrar o fim da ditadura militar. "Ele [Medina] chamou artistas incríveis, mas ainda havia problemas com o governo, que não estava cedendo vistos. Medina viajou aos Estados Unidos, marcou um encontro com Sinatra e explicou o que estava acontecendo. Sinatra era amigo pessoal do presidente Ronald Reagan. Telefonou para a Casa Branca, falou com o presidente e, no dia seguinte, tudo estava resolvido", conta Anderson.

Sinatra e Medina haviam se conhecido anos antes, quando o empresário trouxe o cantor ao Brasil em 1980 para uma turnê. Entre muitas histórias, Vince Falcone lembra que, durante o show no Maracanã, uma chuva torrencial caía sobre a cidade. "Ele me perguntou: 'O que devemos fazer?' Eu respondi: 'Eu não sei, chefe, acho que teremos que esperar. Não vamos conseguir organizar algo grandioso como isso de novo'. Mal acabei de falar, alguém gritou que a chuva tinha passado. Quando ele começou a cantar, os gritos da plateia eram tão altos que não ouvíamos os instrumentos. Quando acabou e ele saiu do palco, eu peguei as partituras e vi que tinha algo embaixo das cordas do piano. Era um boneco vodu, feito à mão. Antes mesmo de eu chegar ao vestiário começou a chover de novo. E choveu a noite toda".

Sem paciência para quem está começando

Tão famosa quanto seu talento era a má reputação de Frank Sinatra, que também liderou o grupo Rat Pack, quando teve em sua formação mais famosa Dean Martin, Sammy Davis Jr., Peter Lawford e Joey Bishop. Falcone tem uma explicação para a imagem ruim que se fez em torno do astro: "Gente brilhante, como Frank Sinatra, tem pouquíssima paciência com gente estúpida e ignorante". Biografias contam que o cantor tinha uma busca incessante pelo poder, em meio a ligações obscuras com a máfia norte-americana e envolvimento com muitas mulheres.

Mas, segundo o maestro, Sinatra era um homem muito generoso e que dava muito dinheiro para a caridade. "Ele e o dono do 'Las Vegas Sun', o maior jornal de Las Vegas, acabaram com a segregação racial na cidade. Sammy Davis Jr., por exemplo, tinha que se hospedar sempre no 'Moulin Rouge', que era um hotel frequentado apenas por negros. Sinatra chamou os donos dos cassinos e disse que se Sammy Davis, Lena Horne e Nat King Cole não podiam se hospedar ali, ele não se hospedaria mais. Ele era um homem honrado. Mas, claro, quem nunca fez coisas estúpidas na juventude?"

Falcone não entra em detalhes sobre a má fama de Sinatra. Em uma entrevista para o jornal "O Estado de S.Paulo", o filho do traficante colombiano Pablo Escobar, Sebastián Marroquin, revelou o envolvimento do cantor com o tráfico de drogas. "Frank Sinatra era melhor distribuidor de drogas do que cantor. Era sócio do meu pai", ele disse. Falcone tem sua versão. "Vou te contar o que ele me disse sobre isso. Quando ela era jovem, os donos dos cassinos e hotéis eram mafiosos, e ele trabalhava para eles. E muitas vezes tínhamos que posar para fotos. Afinal de contas, eles eram fãs do Sinatra como todo mundo e queriam estar em volta dele. Mas Sinatra era um patriota. Nunca faria nada ilegal. Apenas posava para fotos, e a imprensa caía matando."

Era Sinatra

Ainda hoje, as marcas da "era Sinatra" estão por toda Las Vegas. Desde a estrada chamada Frank Sinatra até a Casa Morelli, uma residência em estilo modernista onde morava seu maestro e arranjador Antonio Morelli, e local de ensaio dos dois madrugada adentro, sempre regados a muito uísque.

Hoje, ao se andar pela Las Vegas Boulevard (ou simplesmente The Strip, como os locais chamam a avenida mais conhecida da cidade, com suas cafonérrimas réplicas da Torre Eiffel, Estátua da Liberdade e Esfinge de Gizé), os imensos telões digitais dos hotéis cassino parabenizam o centenário cantor, já que ele mudou o perfil dos frequentadores da cidade.

"Antes, os cassinos só atraiam uns caubóis mal-encarados e briguentos", conta Page Hawkins, uma das administradoras da Casa Morelli. Depois de Sinatra, os donos dos cassinos viram que a cidade podia atrair um público variado: desde famílias e turistas até os "spring breakers", estudantes em recesso de primavera que viajam em busca de festas.

Graças a isso, as atrações principais são os shows de artistas que não estão mais no topo das paradas musicais, mas quem têm um repertório de hits tão vasto como tinha Sinatra. Hoje, além do jogo, do sexo e da bebida nas calçadas --uma raridade nos Estados Unidos--, Vegas tornou-se a capital das coletâneas de sucessos.

Atualmente, encontra-se anúncios de shows de Olívia Newton-John, Céline Dion, Elton John, Rod Stewart, Jennifer Lopez, lutas de UFC --como o confronto entre o brasileiro José Aldo e o irlandês Connor McGregor--, festas de fim de ano cujos headliners são DJs como Tiësto e Calvin Harris, versões locais de musicais da Broadway e, a mais bombada do momento: Britney Spears, com seu show "Piece of Me", que chegou a abrir datas extras por causa da alta procura.

"Houve uma época chamada de 'Era Frank Sinatra' em que ele, Dean Martin, Sammy Davis Jr., Tony Bennett e outros incríveis cantores se apresentavam ao vivo. E, por isso, a maioria dos turistas de Las Vegas, hoje, não vêm necessariamente para jogar, e sim pelo entretenimento, mas jogam entre um show e outro, entre uma festa e outra. Esta cidade se tornou a cidade dele, mas, agora --e quem me disse isso foi Tony Bennett--, não é mais a cidade dele. Hoje em dia quem mais vem aqui é o público da Britney Spears. O público de Sinatra está em Nova York, Chicago, Rio de Janeiro. Foi ele quem abriu o caminho para estes artistas estarem aqui hoje", analisa Bob Anderson.