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Calor, pressa, som baixo: bandas nacionais revelam perrengues em festivais

Leonardo Rodrigues

Do UOL, em São Paulo

10/03/2016 00h06

Nem tudo é festa, espetáculo de luzes e som cristalino em um festival do porte de um Lollapalooza, que acontece neste sábado (12) e domingo (13), no autódromo de Interlagos, em São Paulo. No escalão mais baixo do evento, repleto de artistas nacionais, a rotina é de passagens de sons curtas, setlists reduzidos para menos de 1 hora de duração, e som e estruturas de palco que pouco lembram as das atrações principais —este ano, o rapper Eminem e banda inglesa Florence and the Machine.

Soma-se a isso a realidade pouco glamorosa do público das primeiras apresentações, que costuma ser pequeno, além do inevitável calor úmido das tardes de verão paulistano. Isso se a chuva de verão vespertina não vier. Todos esses perrengues foram relatados ao UOL por bandas brasileiras que tocarão este ano ou que já estiveram no festival.

Segundo os músicos, ainda que a experiência desse tipo de evento às vezes deixe a desejar, são raros casos extremos como o do cantor Lobão, que se recusou a participar do Lollapalooza de 2012 por não concordar em tocar cedo, e de Roger Moreira, que no SWU 2011 viu integrantes de sua equipe técnica sair no braço com os do cantor Peter Gabriel. Há duas semanas, o vocalista do Ultraje a Rigor, que abriu para os Rolling Stones no Rio, ainda se envolveu em outra polêmica ao reclamar que foi "tratado como lixo" pela equipe da banda inglesa.

Para as bandas brasileiras, no entanto, a possibilidade entreveiros parece ser compensada pela inegável exposição de tocar em um dos principais festivais do calendário. Veja abaixo o que cada uma pensa sobre o assunto.

A banda Matanza - Divulgação - Divulgação
Jimmy London, do Matanza
Imagem: Divulgação

Jimmy London, vocalista do Matanza

“Já passei por problemas mais sérios apenas uma vez, há muitos anos. Coisa do tipo 'beleza, damos a chance de vocês estarem aqui no festival, mas agora vocês que se virem'. A verdade é que rola muito perrengue em festival. Todo mundo está cansado. A montagem dos equipamentos é muito trabalhosa. Chega na hora, nem todos os técnicos contratados são muito instruídos. E as viradas de palco são complexas.

Na passagem de som, por exemplo, a gente não pode passar o som com o PA [“Public Audition”: sigla usada para se referir ao som que chega ao público em shows e eventos] aberto. Porque vai ter outro palco tocando na mesma hora. Você tem que testar tudo e, ao mesmo tempo, não pode fazer muito barulho. É uma coisa óbvia. Ninguém está de sacanagem contigo. Mas é muito complicado. Muitas vezes você vai começar o show sem nem ter passado o som.”

Leonardo Ramos, vocalista do Supercombo - Reprodução/Facebook/Diego Rodrigues - Reprodução/Facebook/Diego Rodrigues
Leonardo Ramos, vocalista do Supercombo
Imagem: Reprodução/Facebook/Diego Rodrigues

Leonardo Ramos, vocalista da banda Supercombo

“O que acontece é a famosa pressa, que é inimiga da perfeição. O mais comum é não conseguir passar som direito, e, por causa disso, o show começar ruim. Isso já aconteceu com a gente em festival. Mas, sinceramente, eu não me importo com isso. Quero mais é tocar.

Outra coisa: uma banda gringa não vai sair de lá para tocar aqui se tudo não estiver dentro das exigências deles. E é comum eles não darem tanto valor às exigências das bandas nacionais. Às vezes, apenas para não entrar em conflito com o contratante, as bandas reduzem luz, reduzem "backline" [termo que se refere, principalmente, ao equipamento que fica atrás da banda no palco].

A gente nunca foi maltratado, e, no caso do Lollapalloza, vamos ter todos os equipamentos que exigimos. Mas, independentemente disso, a banda menor tem que entender também que está fazendo parte de algo grande, em que você não é necessariamente o que interessa mais. Por isso mesmo, temos que montar um set mais pop, digamos assim, com músicas que tiveram videoclipe ou bombaram de alguma maneira em algum lugar, deixando de lado coisas mais antigas."

Júlio Andrade, vocalista do The Baggios - Divulgação - Divulgação
Júlio Andrade, vocalista do Baggios
Imagem: Divulgação

Júlio Andrade, vocalista da banda The Baggios

“Já passamos por situações ruins. Isso não é uma coisa atípica no Brasil, principalmente se você é independente, como a gente. Já tivemos a oportunidade de abrir para bandas nacionais grandes, e os caras montam o palco separando uns dez metros para a gente montar o nosso.

Às vezes, a gente prepara uma montagem de palco em posição legal, para que as pessoas possam visualizar bem a banda, mas, no fim, tudo acaba tendo que ser mudado. Isso influencia todo o show. A gente sabe também que é difícil para o público chegar no horário cedo. Não esperamos uma grande multidão, mas gente realmente interessada em nos ver.

Como a Baggios é uma banda de duas pessoas, geralmente conseguimos nos virar bem em várias situações. Mas eu me coloco no lugar de bandas maiores, com necessidade técnica maior. Eles acabam quebrando a cara. Claro que já tivemos experiências boas também, mas é um universo com experiências muito divididas, infelizmente."

Chuck Hipólito, vocalista do Vespas Mandarinas - Divulgação - Divulgação
Chuck Hipolitho, vocalista do Vespas Mandarinas
Imagem: Divulgação

Chuck Hipolitho, vocalista da banda Vespas Mandarinas, que abriu o Lollapalooza em 2014

"As bandas que tocam por último, por contrato, usam praticamente 100% de equipamento deles. Sei que, quando a gente tocou, o Muse trouxe absolutamente tudo. Do técnico da mesa de som até monitores de áudio próprios no palco. É outro nível.

Para uma banda como a nossa, existem limitações. Existem coisas que não dá para fazer em termos de som e na parte cênica, mas a gente não chegou a testar esses limites quando tocamos em 2014. Normalmente, as bandas que tocam antes, principalmente no início da tarde, têm menos tempo para passar o som, menos tempo para tocar, menos equipamento para usar.

Com o Forgotten Boys e com o Vespas Mandarinas, muitas vezes já abri shows de bandas estrangeiras, e a condição de palco nunca foi igual. Já tive experiências boas e ruins. O que aprendi mesmo é que estar em um festival ou em um show de grande porte é ter uma oportunidade única. Uma exposição monstruosa. Temos que aprender a lidar com isso."