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Em última entrevista, Champignon revela timidez e bronca com prêmio da MTV

Do UOL, em São Paulo

09/09/2013 21h35

A emissora paulistana MTV Brasil exibiu na noite desta segunda-feira (9) a última entrevista concedida por Champignon em vida. Gravado em 4 de setembro, o material foi exibido sem edição, apenas com o músico sendo entrevistado ao lado de Thiago Castanho e Marcão, guitarristas do Charlie Brown Jr. e de A Banca.

O programa começou com Champignon comentando que escutava bandas como Smashing Pumpkins e The Presidents of the United States of America, constantes na programação da MTV no começo da década de 1990, quando a emissora chegou ao Brasil. O músico também explicou que viu no canal o primeiro clipe de uma de suas bandas favoritas: "John the Fisherman", do Primus, grupo norte-americano conhecido pelo talento do baixista Les Claypool.

Champignon citou VMBs como eventos que gostava de assistir e sobre como tudo estava distante dele à época. "Achava que era tudo um sonho, distante de mim", afirmou, para em seguida demonstrar que, apesar da distância, já sonhava com uma oportunidade no canal. "Um dia nós vamos estar ali, um dia vamos alcançar aquele balão ali, eu dizia."

Demonstrando timidez até os últimos dias de sua vida, Champignon apareceu de óculos escuros para a entrevista, falando sobre como os momentos com a imprensa não eram sempre fáceis. "Até hoje eu fico muito nervoso quando a liga a câmera", brincou o artista.

Histórias

A entrevista apresentou muito da ligação da banda com a MTV. Foi no canal que o grupo lançou seu primeiro videoclipe, para a faixa "O Coro Vai Comê!", em 1997. Champignon riu ao comentar sobre o diálogo para convencer prostitutas a participarem do vídeo, uma alusão à letra da música, que fala sobre como a banda "invadia a cidade" -- no caso, o centro de São Paulo, especialmente as casas de diversão noturna locais.

O final do anos 1990 foi citado pelo trio como a época mais especial que a banda viveu. Champignon citou grupos que estavam no auge na época como Rappa, Pavilhão 9 e Planet Hemp. A mais especial para eles, porém, era o Raimundos. "Aqueles quatro moleques pegavam músicas nossas e faziam versões muito engraçadas", contou Champignon ao se lembrar dos bastidores da apresentação do Charlie Brown Jr. ao lado da banda amiga no VMB de 1999.

Para os músicos, conhecer as personalidades da música internacional foi outro momento importante. Eles estiveram nos Estados Unidos para participar do VMA e lá puderam ver de perto artistas como Puff Daddy ou U2. Marcão se lembrou de como um elevador pifou durante a apresentação da banda irlandesa, deixando Bono "meio sem saber o que fazer".

Outro momento com um artista gringo que foi lembrado por Champignon com carinho foi o encontro com Jason Newsted, ex-baixista do Metallica. Durante a divulgação do álbum "Garage Inc.", o músico veio ao Brasil e fez questão de conhecer o brasileiro. Champignon confessou não ter muita habilidade com o inglês, mas disse que os seguranças de ambos conseguiam transmitir as mensagens por meio do "portunhol". Ao término do encontro, os dois rolaram no chão brincando. "A gente se atracou na porrada, saímos rolando, foi bem divertido. Depois o cara mandou o CD assinado pra mim", contou Champignon.

Premiações da MTV

A entrevista também revelou a importância das premiações do canal para a banda santista. Além de gostarem das festas pós-cerimônia de entrega dos prêmios, o trio afirmou que todos ficavam ansiosos para saber os vencedores. "Todo mundo queria ganhar o prêmio da MTV, rolava uma tensão, mexia com a gente", disse Champignon, batendo as mãos na perna para demonstrar ênfase.

Houve espaço até mesmo para os integrantes confessarem uma mágoa com o canal. O trio falou sobre a derrota do clipe "Não Deixe o Mar Te Engolir" na premiação do VMB de 2000, quando foram preteridos tanto na categoria Melhor Videoclipe de Rock como também em Melhor Animação em Videoclipe. "Foi tão bem elaborado, que deu tanto trabalho, que na hora que rolou o anúncio a gente ficou meio sem entender", queixou-se o baixista.

Já Thiago Castanho afirmou que a bronca não se dá somente por conta da estatueta perdida, mas também pelo fato do clipe -- uma animação bancada do próprio bolso por Chorão -- introduzir "conceitos novos", o que os integrantes julgaram como algo inovador à época.


Entenda o caso
Champignon foi encontrado morto no início da madrugada desta segunda, em seu apartamento, com um tiro no lado direito na cabeça. Segundo o boletim de ocorrência registrado no 89º Distrito Policial de São Paulo, em depoimento prestado pela viúva do músico, Cláudia Campos, ele ingeriu saquê no restaurante que jantou na noite de domingo (8) com a mulher e o casal de amigos Oscar e Juliana.

Ainda segundo o documento, foram consumidas duas garrafas de saquê no restaurante, mas não especifica se todos beberam ou apenas Champignon. Durante o jantar, a mulher --grávida de cinco meses-- contou que ela e o marido tiveram uma discussão e, ao chegar em casa, o músico se dirigiu para o estúdio/escritório e não deixou que ela entrasse no cômodo. Em seguida, ela ouviu dois disparos e o corpo caindo ao chão.

Segundo a delegada Milena Suegama, do 89º Distrito Policial de São Paulo, ele deu dois disparos com uma pistola calibre 380. O primeiro tiro teria sido um teste e foi feito em direção ao chão, e o segundo foi do lado direito da cabeça. A polícia trabalha com a hipótese de suicídio.

Testemunho de vizinhos
Vizinho de Champignon, o corretor de imóveis Alexandre Banaion relatou que ouviu um barulho de tiro vindo do apartamento do músico por volta da meia-noite, seguido de gritos da mulher e latidos do cachorro do casal. Ele foi até a casa, onde encontrou a mulher do músico chorando e gritando: "Amor, você não fez isso".

Muito nervosa, Cláudia contou à delegada que discutiu com Champignon, mas declarou que o marido não era um homem agressivo e não usava drogas ou medicamentos controlados. Ela foi levada para um hospital em estado de choque por volta das 2h30 e liberada às 6h40. Champignon tinha ainda uma filha de 7 anos de seu primeiro casamento, e segundo um tio a menina está com a mãe e já sabe da morte do pai.

A pistola, outra arma, celulares e computadores foram apreendidos. A delegada informou que não encontrou qualquer vestígio de drogas no apartamento. Familiares disseram à polícia que o músico estava chateado com a imprensa, por conta das críticas negativas sobre a nova banda, A Banca.

O síndico do prédio esteve na delegacia para entregar imagens das câmeras de segurança. Em entrevista ao "SPTV", da Rede Globo, ele admitiu que uma imagem pode levantar suspeita de agressão. "Eu vou deixar isso para a polícia dizer", declarou Gino Castro.

Comunicados
Nas páginas oficiais das bandas Charlie Brown Jr. e A Banca no Facebook, a equipe dos grupos confirmaram a morte do músico através de comunicados. "A Família Charlie Brown Júnior comunica, com pesar, o falecimento do baixista Champignon, que participou de grande parte das formações da banda. Desde já agradecemos todas as manifestações de apoio dos fãs neste momento doloroso, e externamos nosso apoio à esposa, filha e todos os demais familiares", dizia o texto na página do Charlie Brown, primeiro a ser publicado.

Júnior Lima, que foi companheiro do baixista na banda Nove Mil Anjos, disse estar em choque. "Acordei agora com a noticia do Champ! Tô em choque! Perdi mais um irmão! Nao tô conseguindo acreditar! Pqp! Alguém sabe o por quê? Se ele deixou algum recado? O que que aconteceu? Tô perdido aqui sem informações! NÃO CONSIGO ACREDITAR!", escreveu no Twitter.

O caso ocorre seis meses após a morte de Chorão, vocalista do Charlie Brown Jr., no dia 6 de março, em São Paulo. O laudo apontou overdose de cocaína como a causa da morte do cantor. Em maio, outro músico que tocou com Champignon, Peu Sousa, foi encontrado morto enforcado com um cinto amarrado no pescoço.

Na época, Champignon disse não saber por que o amigo se mataria e disse acreditar que ele havia "perdido a fé". "Estou muito triste. Exatamente dois meses após a morte do Chorão, vem o Peu. Que ano!", disse ele. E acrescentou: "Não sei porque ele faria isso, mas acredito que ele perdeu a fé em viver. Se a pessoa vive sem fé, não importa se é em alguma religião ou em outra coisa, não tem como continuar".

O começo de Champignon
Aos 12 anos de idade, Luiz Carlos começou a tocar como baixista logo após conhecer Chorão, em Santos (SP), onde moravam. Juntos, eles formaram a banda What's Up. Posteriormente, Chorão e Champignon convidaram o baterista Renato Pelado, que já tocava com outras bandas da cidade. Mais tarde, Marcão e Thiago Castanho completaram a primeira formação do grupo, que ainda não levava o nome oficial de Charlie Brown Jr.

Em 1993, a banda começou a se destacar em Santos e Chorão procurou o produtor musical Rick Bonadio, que gostou do som e os contratou. Na época, Champignon era menor de idade e, sempre que a banda se apresentava em casas noturnas, era preciso levar uma autorização judicial para que o jovem baixista acompanhasse o grupo.

Entre 1999 e 2006, a banda Charlie Brown Jr. conquistou espaço na mídia e se tornou conhecida por todo o Brasil. No entanto, Champignon e Chorão tiveram algumas desavenças. Em 2005, o baixista deixou o grupo e, quatro anos depois, ele se juntou a Júnior Lima, irmão de Sandy, para formar a banda Nove Mil Anjos.

Já em 2011, Champignon retornou ao Charlie Brown Jr. Ele fez parte da gravação do CD e DVD "Música Popular Caiçara", lançado em março de 2012. Permaneceu na banda até o seu final, quando, em março deste ano, Chorão morreu de overdose de drogas.

Após 22 anos de Charlie Brown Jr., visando eternizar a formação original da banda, Champignon, Graveto, Marcão Britto e Thiago Castanho decidiram que deveriam manter a união e deram continuidade à carreira da banda, que ganhou novo nome e nova formação. O projeto foi batizado como A Banca, e Champignon assumiu os vocais.

Em abril, durante a participação do grupo no programa "Altas Horas", Champignon falou com exclusividade para o UOL sobre  voltar à cena. "Se ficássemos em casa, morreríamos também. Temos que ir para a estrada, precisamos disso. É a nossa vida. Por que a gente iria ficar trancado em casa se a gente gosta mesmo é de tocar?".